Pessoas transmasculinas conseguem ter acesso à PREP?
Pietro é uma pessoa transmasculina, designado mulher ao nascer pelos profissionais de saúde, devido à constatação de que possuía vulva e útero. Entretanto, ele sempre se percebeu como uma pessoa não binária, mas só passou a se identificar como “transmasculino” quando entrou para a universidade, aos 18 anos. Pietro usava todos os pronomes, mas preferia ser chamado no masculino. Em relação à sua orientação sexual, se interessa e se relaciona com vários tipos de pessoas. No dia 27 de março de 2024, fui acompanhar Pietro até o Ambulatório Trans do Centro Estadual Especializado em Diagnóstico, Assistência e Pesquisa (CEDAP). Eu me chamo Matheus Costa, um homem negro, gay e doutorando em Antropologia na Universidade Federal da Bahia (PPGA/UFBA). Esta cena compõe a minha dissertação de mestrado em Antropologia, na qual desenvolvi uma pesquisa sobre as sexualidades de homens que usam PrEP em Salvador (Costa, 2025). Neste texto, compartilho com a Rede Latino-Americana de Antropologia Feminista das Ciências e Tecnologias (RAFeCT) algumas informações sobre a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), que é um medicamento que previne a infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Breve contextualização A PrEP é um conjunto de medicamentos antirretrovirais disponíveis em comprimidos de uso diário ou sob demanda. No Brasil, a PrEP é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2017 e também está disponível no sistema de saúde privado. Os usuários do medicamento não possuem sorologia positiva para o HIV. Além disso, fazendo uso correto da medicação, a pessoa não adquire o HIV, mesmo em relações sexuais sem o uso da camisinha tradicional. Como aponta o antropólogo Wertton Matias (2023), a PrEP não é apenas uma profilaxia: ela possui usos sociais que reconfiguram experiências e práticas sexuais dos usuários. A pesquisa que realizei foi concentrada nesse aspecto da PrEP. Especialistas em Saúde Coletiva argumentam que a vantagem da PrEP como método preventivo é atender aos indivíduos que não conseguem utilizar os preservativos, mas também àqueles que optam por não utilizá-los (Zucchi et al., 2018). Os usuários de PrEP buscam minimizar os riscos de infecção sem a necessidade de alterar suas práticas sexuais (Zucchi et al., 2018; Costa, 2021). Pessoas transmasculinas conseguem acesso à PrEP? Retornando a Pietro, naquele encontro ele usava uma bermuda frouxa, camiseta e colares de metal, compondo uma estética típica masculina de contextos urbanos. Sua pele é branca e, na época, ele tinha 20 anos de idade. Pietro se relaciona afetiva e sexualmente com algumas pessoas que vivem com HIV. Ele também acompanhou o processo de diagnóstico positivo de uma dessas pessoas. Sua mãe, que é profissional da saúde, costumava alertá-lo sobre as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), mas com um discurso preconceituoso. Ela dizia que ele acabaria contraindo HIV por se relacionar com travestis. Quando perguntei se ele só fazia sexo sem camisinha, ele me respondeu que preferia transar sem ela e que, na maioria das vezes, fazia sexo sem preservativo. Descemos do ônibus e caminhamos até o CEDAP, em um trajeto de menos de sete minutos. Ao chegarmos ao Centro, Pietro informou à recepcionista que queria fazer o cartão da unidade. Ríspida, ela perguntou por que, destacando que o cartão só poderia ser feito caso ele fosse utilizar algum serviço. Visivelmente ansioso, Pietro respondeu que desejava iniciar o uso de PrEP e também marcar uma consulta ginecológica. A mulher apenas perguntou a idade dele e se já havia feito uso de PrEP antes. Diante da resposta negativa, ela entregou uma senha para a triagem. A triagem foi rápida, mas a espera para ser chamado na sala de acolhimento se estendeu por cerca de duas horas. Estávamos cansados, e Pietro estava preocupado, pois tinha uma sessão de terapia presencial marcada para às 17h. Após ser chamado, não demorou mais de 10 minutos e ele voltou. Informou-me que precisaria retornar à unidade na próxima quarta-feira, às 7 horas da manhã, para fazer os testes rápidos e dar início ao processo de uso da PrEP. Acerca de sua consulta ginecológica, a pessoa que fez a triagem se esqueceu de dar a ele uma senha para agendamento, mas a responsável pelo acolhimento conseguiu agilizar o processo. Ele não foi atendido naquele dia, mas saiu feliz da unidade de saúde. Antes de irmos embora, a pessoa que o havia atendido voltou acompanhada do coordenador do Ambulatório Trans, que funciona no CEDAP, e fez questão de conhecê-lo pessoalmente, informando que, na semana seguinte, os processos seriam iniciados. Para Pietro, a experiência foi estranha, já que ele não estava acostumado a ser bem atendido nos serviços de saúde. Apesar de ter convênio de saúde privado, ele relatou uma experiência desconfortável durante uma consulta ginecológica em um lugar chamado “Clínica da Mulher”, onde se sentiu desconfortável em todas as etapas do atendimento. Após nossa ida ao CEDAP, ele publicou em seu perfil no X que havia sido muito bem atendido e, dias depois, fez outra publicação comemorando a dispensa dos medicamentos. Legenda da publicação realizada por Pietro, e que inspira o título a este texto. Fonte: captura de tela de publicação na rede social X realizada pelo pesquisador responsável no dia 3 de abril de 2024. A imagem consta na dissertação (Costa, 2025) e foi autorizada pelo autor da publicação. Algumas considerações Tratarei a seguir algumas das considerações finais da pesquisa. Os interlocutores associaram a PrEP a categorias como cuidado, segurança e como uma responsabilidade individual de quem inicia o processo de profilaxia. Por conta de todo o estigma que associou a infecção pelo HIV às pessoas LGBTs — bem como o estigma que associou durante muito tempo o HIV à morte — muitos relataram sentir uma maior liberdade sexual após o início do uso da PrEP, dado que “sai o estigma das costas”. Assim como no estudo de Otávio Costa (2021), nesta etnografia ficou evidente que a fuga do estigma do HIV e dos preconceitos que as pessoas que vivem com HIV vivenciam são elementos importantes para que as pessoas iniciem o processo de adesão à PrEP. Semelhante ao trabalho de Otávio
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