Fazer Pesquisa Entre Adolescências e Ciborgues
Este é o terceiro texto da ocupação da RAFeCT no blog Platypus. Confira o texto em inglês e espanhol por lá. “O que vocês imaginam quando escutam a palavra “ciborgue”?” Foi a pergunta lançada pelo adolescente Kauan para introduzir uma apresentação sobre O Manifesto Ciborgue de Donna Haraway (2009) para o grupo de pesquisa do Programa de Iniciação Científica Nível Ensino Médio da Unicamp. Uma apresentação online, com slides, realizada pelo pesquisador de iniciação científica, Kauan, para quatro colegas e uma orientadora. De imediato, a imaginação de robô vem à mente de algumas de nós. Outras estão abertas para novas referências. Podemos viajar por filmes, distopias, máquinas high-tech e até a moda pode ser uma referência ciborgue para adolescentes. Pelo que parece, a ciborgue e a adolescência convivem historicamente e têm uma relação de amor e ódio. Cotidianamente conectadas, com corporalidades habitando fronteiras pouco demarcadas entre o online e o offline. O humor e a ironia podem simular tanto a imagem da adolescência quanto da ciborgue. Não temos problemas com sentimentos conflitantes, estamos internalizando a contradição que é sermos ciborgues no século XXI. Nós, que escrevemos este texto, somos cinco adolescentes e uma jovem adulta que ainda tem a capacidade de imaginar “o que quer ser quando crescer”. Enquanto uma de nós é antropóloga e faz mestrado em divulgação científica e cultural, as demais estão no ensino médio e pensam em carreiras variadas: estética, moda, jornalismo, psicologia, computação, artes – estão dentre nossas possibilidades. Esse texto é parte das duas pesquisas intituladas “Acessos e usos da Internet por adolescentes: produzindo um podcast sobre Educação Digital”. Sim, pesquisas no plural, porque temos a pesquisa de mestrado, realizada por Irene do Planalto Chemin no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), sob orientação da Profa. Dra. Daniela Manica. E temos o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio (PIBIC-EM), realizado por Geovana Luna dos Santos, Kauan Alves da Silveira Aristides, Raylane Souza de Moura, Samara Lopes de Oliveira e Veronica Martins Da Silva, na qual Irene do Planalto Chemin é monitora junto com Fernanda Mariath, sob orientação da Profa. Dra. Daniela Manica e co-orientação da Dra. Clarissa Reche. O processo de formulação do PIBIC-EM Produzindo um podcast sobre educação digital partiu da adaptação do projeto de pesquisa elaborado para o Mestrado em Divulgação Científica e Cultural de forma a envolver as adolescentes na realização da pesquisa e na produção do podcast. Em suas escolas, as adolescentes receberam suporte dos professores para se inscreverem no PIBIC-EM e aplicaram para a área de Artes e Humanidades, sendo alocados nesta pesquisa. O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais da Universidade Estadual de Campinas (CEP-CHS/Unicamp) e foi consentido pelas adolescentes e por suas famílias/responsáveis legais. O objetivo da nossa pesquisa é compreender a percepção de adolescentes sobre as tecnologias digitais e produzir um podcast sobre educação digital. O objetivo é amplo para acolher as questões trazidas pelas próprias adolescentes. Assim, propõe-se investigar as tecnologias desde o imaginário (Felinto, 2003), as infraestruturas visíveis ou invisíveis (Miller; Horst, 2015), as realidades sociotécnicas (Latour, 2001), os dispositivos corporificados, incorporados e cotidianos nas experiências das juventudes brasileiras (Hine et al, 2020). Quando nos conhecemos, em setembro de 2024, confeccionamos bonequinhos de papel em 3D, que pintamos, recortamos e colamos, usando materiais como lápis de cor, tesoura, papéis diferentes, glitter, cola… Assim, fomos nos apresentando enquanto trabalhamos com nossas mãos e expressamos nossas personalidades no papel. Ao longo de 12 meses, mapeamos as tecnologias no nosso cotidiano, passando por discussões teóricas até a produção de uma série de podcasts. Durante nosso percurso de pesquisa, a imagem do ciborgue tem sido uma figuração de nossa relação com as tecnologias, uma referência trazida por Irene Chemin a partir de seus estudos sobre a obra de Haraway. O ciborgue é um organismo híbrido de humano e máquina que, rompendo com a fronteira entre natureza e cultura, rompe também com separações estruturantes para a noção moderna de ciência, como ser humano e animal, mente e corpo, natural e artificial, físico e não-físico. Entre nós, cada uma à sua maneira, já vem quebrando essas fronteiras, hackeando os binarismos, até mesmo por habitar esse não-lugar de “ser adolescente” em uma sociedade que, cada vez mais, define suas gerações pelo contato com as tecnologias – na verdade, numa perspectiva muito limitada de tecnologia. A apresentação de Kauan Alves da Silveira Aristides sobre o Manifesto Ciborgue fez parte de uma série de seminários onde as outras quatro estudantes do ensino médio também apresentaram sobre temas como análise de conteúdo em memes, noção de “nativos digitais”, ética com inteligência artificial e o impacto das redes sociais na saúde mental. Ele se aproximou do ciborgue através de uma visão futurista e distópica da realidade, citou exemplos de um mundo “cheio de carros voando”, “onde os robôs vão escravizar os seres humanos”. Porém, em seguida ele trouxe a reflexão para o grupo: “mas será que as máquinas são realmente tão distantes assim das pessoas, algo que é completamente diferente e impossível de ser associado a eles?”. Para Kauan, estamos nos aproximando cada dia mais das ciborgues, pois “não tem como separar esses dois mundo”, o artificial e o natural, o tecnológico e o ser humano. Ao apresentar a autora, Donna Haraway, e resumir sua obra, Kauan apontou que o manifesto traz críticas em relação à cultura, sociedade, identidade de gênero e políticas da época. Em certo momento, Samara lançou uma questão basilar: “o que é um manifesto? Tem a ver com o Manifesto Comunista, de Marx?” É uma questão relativa ao gênero textual denominado manifesto, assim como à práxis proposta pelas ideias do manifesto. Kauan e Irene responderam que geralmente os manifestos representam um movimento social e cultural, que buscam promover uma visão inovadora sobre algum tema, de cunho político e com análise crítica. Essa questão é discutida em uma entrevista com Donna Haraway (Nicholas GANE; HARAWAY; FIORI, 2010) traduzida para a revista Ponto Urbe. Haraway aponta
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